Os números estão postos e são assustadores: no Recife, a única capital brasileira que há 19 anos desliga toda e qualquer fiscalização eletrônica – inclusive as de velocidade – das 22h às 5h, a maioria dos sinistros de trânsito acontecem exatamente no horário noturno (noite e madrugada). As informações são do Jornal do Commercio.
Em 2024, mais da metade (55%) das mortes no trânsito da capital pernambucana aconteceram à noite ou de madrugada (entre 18h e 5h59). O horário da noite (entre 18h e 0h) respondeu por 30% das mortes, enquanto a madrugada (0h às 6h) registrou 25% dos sinistros (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo a ABNT e o CTB) com vítimas fatais.
E o que mais impressiona é que, entre o fim da noite e a madrugada, estima-se que haja uma redução de 60% no volume do tráfego de veículos, evidenciando a gravidade dos números de mortes. Os dados relacionados a 2024 fazem parte do Relatório Preliminar de Mortes no Trânsito 2025 – acessado pela Coluna Mobilidade no site oficial da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) – e estão estruturados a partir dos registros do Comitê Municipal de Prevenção de Acidentes (COMPAT) e da Secretaria de Defesa Social (SDS).
Os relatórios vêm sendo publicados desde 2020, quando teve início a parceria da Prefeitura do Recife com a Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global (BIGRS), e têm o objetivo de fornecer uma análise atualizada para avaliar a série histórica e identificar padrões e perfis das vítimas, orientando estratégias e políticas voltadas para a promoção da segurança viária na cidade.
HÁ 19 ANOS O RECIFE ‘DESLIGA’ TODA FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA NA CIDADE
O impacto da violência no trânsito à noite e de madrugada no Recife não é de hoje, sendo verificada pelo menos desde 2020, quando a gestão municipal passou a elaborar os relatórios de segurança viária. E, mesmo assim, nada é feito para reverter esse ‘desligamento’ – na verdade, os equipamentos não são desligados, mas os registros feitos são desconsiderados pelos agentes de trânsito no momento de transformá-los em notificação.
Os números são ainda mais impressionantes porque, desde 2006, a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) deixa de notificar todas as infrações de trânsito praticadas nas vias da cidade por força de uma decisão da Justiça de Pernambuco – provocada numa ação movida pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Na época, o juiz José Marcelon Luiz e Silva, então na 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou o desligamento dos equipamentos das 22h às 5h (em 2006 eram apenas os bandeirões, chamados de lombadas). O magistrado foi favorável a uma ação civil pública do MPPE, que teve como autora a promotora Andréa Nunes.
O Recife tinha apenas três equipamentos (na Cabanga, na Avenida Alfredo Lisboa e na Avenida Abdias de Carvalho) e o argumento do MPPE era de que havia um aumento no número de assaltos nessas áreas. Embora os registros não existam, comprovadamente, nos pontos onde havia fiscalização eletrônica. A CTTU recorreu até onde foi possível, mas em 2012 uma apelação foi julgada pela 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que confirmou a sentença de 1º grau.
Até hoje, o município diz estar de mãos “atadas” sobre a questão. “À época da decisão judicial, a CTTU entrou com recurso para tentar revertê-la. Atualmente a determinação da Justiça se encontra transitada em julgado”, informou por nota a autarquia.
Em junho, a Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) acionou judicialmente a gestão municipal do prefeito João Campos (PSB) devido ao aumento do número de ciclistas atropelados no trânsito do Recife e para que a prefeitura retome o religamento da fiscalização eletrônica à noite – principalmente a de velocidade. A entidade ingressou com uma Ação Civil Pública contra o Município do Recife, a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) e a Empresa de Urbanização do Recife (URB).
Na ação, a Ameciclo pede que a Justiça responsabilize esses órgãos por omissão na forma de conduzir a política de mobilidade urbana e segurança no trânsito da capital pernambucana. Na avaliação da entidade, é essa omissão na implementação de políticas públicas e, principalmente, de fiscalização de trânsito, que tem contribuído para que os números de mortes tenham crescido na cidade nos últimos anos.