A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dá continuidade nesta quarta-feira (10) às audiências voltadas ao julgamento de Jair Bolsonaro e demais membros do Núcleo 1 da ação penal do golpe de Estado, que chega ao seu quarto dia de reuniões. O ex-presidente e outros sete aliados são acusados de coordenar uma campanha de descredibilização do sistema eleitoral em 2022, e de depois terem tentado impedir o efeito de sua derrota eleitoral. As informações são do Congresso em Foco.
Esta será a segunda sessão voltada à leitura dos votos dos ministros, com previsão do posicionamento de Luiz Fux. A expectativa é de um voto longo: desde o início do processo, Fux manteve uma postura crítica ao relator, sinalizando a possibilidade de abertura de divergência.
A reunião começa com placar de 2 votos a zero a favor da condenação, defendida pelo relator Alexandre de Moraes e por Flávio Dino. Se mais um ministro acompanhar o voto, Bolsonaro poderá ser condenado.
Assista ao quarto dia de julgamento, e acompanhe a leitura atualizada logo abaixo:
Não cabe ao Supremo fazer juízo político, diz Fux
O presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, abriu a sessão às 9h09 desta terça-feira (10). Após a leitura da ata anterior, passou a palavra ao ministro Luiz Fux, que iniciou a leitura de seu voto no julgamento do núcleo central da trama golpista.
O ministro destacou o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) como guardião da Constituição e enfatizou que não cabe à Corte realizar avaliações políticas.
“Cumpre-nos, enquanto magistrados, zelar pela verticalidade das normas legais e constitucionais. Não compete ao Supremo realizar juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado. O que nos cabe é afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal”, afirmou.
Segundo o ministro, a missão principal do STF é assegurar que a Constituição funcione como referência fundamental da vida nacional. “A Carta Magna é o ponto de partida, o caminho e o porto de chegada de todas as indagações nacionais. A jurisdição constitucional se diferencia das funções legislativa e executiva justamente porque tem limites institucionais claros”, acrescentou.
Fux frisou ainda que o papel do julgador não deve se confundir com o do agente político. “Trata-se de uma missão que exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, a fim de evitar a contaminação do julgamento por critérios de conveniência política”, disse.
Ao citar o professor Délio Levinson, o ministro reforçou que a legitimidade do STF está em produzir decisões distintas daquelas tomadas pelos demais poderes. “Os pressupostos da independência e da harmonia entre os Poderes consistem justamente no fato de cada um desenvolver capacidades institucionais próprias”, afirmou.
Fux destacou que a Constituição delimita de forma restrita os casos em que cabe ao Supremo atuar originariamente em processos penais, conforme previsto no artigo 102. “Trata-se de competência excepcionalíssima, que aproxima o STF da rotina dos juízes criminais em todo o país”, declarou.
Ministro defende rigor técnico na Justiça criminal e papel imparcial do juiz
No terceiro dia de julgamento do núcleo central da tentativa de golpe, o ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), destacou em seu voto a importância de preservar a imparcialidade judicial e o rigor técnico na Justiça criminal. Para ele, cabe ao Ministério Público assumir o papel central na produção das provas, enquanto ao juiz compete zelar pelo equilíbrio processual e pela aplicação correta da Constituição.
Segundo Fux, a ação penal deve ser conduzida com base em provas consistentes, produzidas prioritariamente pela acusação. “O Ministério Público, como titular da ação penal, tem o primeiro ônus de produzir evidências diretas e indiretas que corroborem ou infirmem as hipóteses acusatórias”, afirmou.
O ministro explicou que a missão da acusação é transformar a narrativa inicial em conclusões sólidas, “acima de qualquer dúvida razoável”. Para ele, esse trabalho exige “significativo rigor analítico”, já que cada elemento pode alterar o conjunto probatório e a compreensão sobre os fatos.
Fux: “Juiz deve se afastar do clamor social e político”
O ministro Luiz Fux enfatizou que o juiz não deve assumir funções de investigação ou de acusação. Seu papel, disse, é manter o distanciamento necessário para garantir imparcialidade e assegurar os direitos e garantias dos envolvidos.
“O juiz exerce dois papéis essenciais na Justiça criminal: controlar a regularidade da ação penal e firmar o juízo definitivo de certeza, distinguindo entre as hipóteses acusatórias e as que são efetivamente comprovadas por evidências concretas”, afirmou.
O ministro acrescentou que a independência do magistrado é fundamental para evitar pressões externas. “O juiz deve estar afastado do clamor social e político. A maior responsabilidade da magistratura é ter premissas para condenar com certeza, mas também humildade para absolver quando houver dúvida”, ressaltou.
Fux aproveitou para destacar o papel do Supremo como formador de precedentes que orientam todo o Judiciário. Ele lembrou que cada decisão da Corte não se limita às partes envolvidas no processo, mas influencia casos futuros julgados por tribunais em todo o país.
“Cada precedente firmado torna-se patrimônio público da nação, devendo assegurar estabilidade, previsibilidade e segurança à ordem jurídica constitucional”, afirmou. Para o ministro, os ministros do STF devem ter plena consciência de que são “farol de coerência jurídica para todo o sistema de justiça”.
Na visão de Fux, a responsabilidade do Supremo é dupla: julgar com rigor técnico os réus da ação penal e, ao mesmo tempo, produzir decisões que sirvam de referência para os mais de 18 mil magistrados brasileiros. “Não nos limitamos a decidir litígios isolados. Cada decisão do STF projeta-se para além das partes do processo e irradia efeitos normativos e interpretativos”, disse.
Fux defende anulação do processo da trama golpista
O ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (10) pela incompetência da Corte para julgar o processo do núcleo central da tentativa de golpe de Estado. Para ele, como nenhum dos oito réus possui prerrogativa de foro e todos haviam deixado seus cargos quando foram denunciados, o caso deveria tramitar na primeira instância da Justiça.
Segundo o ministro, a prerrogativa de foro sofreu alterações significativas ao longo dos anos e não deve ser ampliada de forma indevida. “A prerrogativa de foro sofreu inúmeras modificações. Houve certa banalização dessa interpretação constitucional”, afirmou.
“A minha primeira preliminar, ela anula completamente o processo por incompetência absoluta”, disse. “Em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados”, acrescentou.
Ele reforçou que o atual entendimento sobre a manutenção de processos no Supremo, mesmo após a perda de cargos, é recente e não se aplicaria ao caso. “Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, desse ano”, disse.
Antes de entrar no mérito da preliminar, Fux fez uma defesa do papel constitucional do Supremo. Destacou que a Corte é guardiã da Constituição e não deve confundir suas funções com as de agentes políticos.
“Cumpre-nos, enquanto magistrados, zelar pela verticalidade das normas constitucionais e legais. Não compete ao STF realizar um juízo político do que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente. Compete a este Tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal”, declarou.
Para o ministro, a objetividade e o rigor técnico devem guiar a atuação da Corte. “Trata-se de missão que exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, a fim de não se confundir o papel do julgador com o de agente político”, acrescentou.
Fux ressaltou ainda que a Constituição delimita de forma restrita as hipóteses em que o STF pode atuar originariamente em processos penais, conforme o artigo 102. “Trata-se de competência excepcionalíssima. Quando o Supremo exerce essa atribuição, aproxima-se em essência da rotina desempenhada pelos juízes criminais de todo o país”, avaliou.
As defesas dos acusados já haviam sustentado a tese da incompetência do STF, alegando que nenhum dos réus tinha direito a foro especial. O voto de Fux reforça essa linha de argumentação, em contraposição ao relator, Alexandre de Moraes, que considerou a Corte competente e votou pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete acusados.
“Tsunami de dados” compromete defesa, diz Fux em voto sobre trama golpista
O ministro Luiz Fux defendeu o direito ao contraditório e à ampla defesa como pilares da Justiça criminal. Citando filósofos, tratados internacionais e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, ele lembrou que ninguém pode ser considerado culpado sem julgamento público e sem a garantia de defesa plena.
“Toda pessoa acusada tem direito à plena igualdade e diversas garantias, entre as quais dispor de tempo necessário para preparar sua defesa”, afirmou, destacando que os advogados devem ter acesso integral aos autos e condições adequadas para contestar as acusações.
Fux também chamou a atenção para um suposto cerceamento de defesa no processo, que teria ocorrido devido à entrega tardia de um volume maciço de documentos e informações digitais às defesas. Para ele, essa prática – que chamou de “tsunami de dados” – compromete o exercício pleno do contraditório.
“O contraditório e a ampla defesa são garantias incorporadas ao direito ocidental há séculos. Quem decide sem ouvir a outra parte, mesmo que decida com justiça, não age de forma justa”, citou, referindo-se a passagens clássicas da filosofia do direito e à própria Declaração de 1948.
Divergência sobre competência do STF
Após tratar da questão do contraditório, o ministro voltou-se à discussão sobre a competência do STF para julgar o caso. Para Fux, a decisão de levar a ação à Primeira Turma, em vez do plenário, rebaixa a importância do processo e “silencia” vozes que poderiam contribuir com entendimentos divergentes.
“Ao rebaixar a competência originária do plenário para uma das duas turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam exteriorizar sua forma de pensar sobre os fatos a serem julgados”, disse, defendendo que casos dessa magnitude deveriam ser analisados pelo colegiado completo, formado por 11 ministros.
O magistrado lembrou que, historicamente, o regimento interno do Supremo sempre atribuiu ao plenário a competência para julgar presidentes da República em crimes comuns, e que processos conexos já haviam sido apreciados no órgão máximo da Corte.
Foro e mudanças de entendimento
Fux também criticou o que chamou de “casuísmos” na aplicação recente das regras sobre foro privilegiado, observando que os réus perderam seus cargos antes do atual entendimento da Corte. “Estamos julgando pessoas que não têm prerrogativa de foro. Houve certa banalização dessa interpretação constitucional personalista”, disse.
Segundo ele, a aplicação retroativa de entendimentos recentes para manter o caso no STF fere o princípio do juiz natural e a segurança jurídica.
Impacto no julgamento
Com seu voto, Fux diverge dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que já haviam se manifestado pela competência da Primeira Turma e pela condenação dos réus. Para ele, há “incompetência absoluta” da Turma, o que poderia levar à anulação de todos os atos processuais até aqui.
O julgamento, que analisa a responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete acusados pela tentativa de golpe de Estado, prossegue nesta semana com os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Fux vota novamente pela anulação do processo por cerceamento à defesa
O ministro Luiz Fux levantou dúvidas sobre a forma como o processo tem sido conduzido e alertou para possíveis violações ao direito de defesa dos réus. Em seu voto, o magistrado citou parecer do professor Gustavo Badaró, da USP, que apontou risco de cerceamento diante do grande volume de provas produzidas e da dificuldade de acesso tempestivo pelas defesas. Pela segunda vez, ele acolheu os argumentos das defesas e defendeu a anulação do processo.
“Eu confesso que tive dificuldade para elaborar o voto. Eu acolho a preliminar de violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia”, afirmou.
“São bilhões de páginas”
Fux chamou a atenção para a dimensão do material apreendido nas investigações, comparando a ação penal da trama golpista ao escândalo do Mensalão, que também julgou no Supremo.
“Estou há 14 anos no STF. Julguei casos complexos, como o Mensalão. Foram dois anos apenas para receber a denúncia e cinco anos para o julgamento. Procurei analisar cada detalhe do relatório de Joaquim Barbosa, um trabalho muito denso. Agora, no caso da trama golpista, salta aos olhos a quantidade de material apreendido. Nem acreditei: são bilhões de páginas”, afirmou.
O ministro destacou que a entrega das mídias às defesas só foi autorizada em 30 de abril de 2025, mais de um mês depois do recebimento da denúncia, o que, segundo ele, reforça a tese de que houve prejuízo ao contraditório. “As defesas alegaram cerceamento justamente em razão desse ‘tsunami de dados, disponibilizado de forma tardia”, disse.
Além da questão do acesso às provas, Fux voltou a criticar a decisão do STF de manter o caso na Primeira Turma, apesar de nenhum dos réus ter prerrogativa de foro. Para o ministro, a Corte alterou seu entendimento sobre competência depois da prática dos crimes narrados pela Procuradoria-Geral da República.
“Estamos diante de uma ação penal recebida em 26 de março de 2025 contra oito réus em um primeiro grupo, e no total 34 acusados pela prática de crimes como organização criminosa e tentativa de golpe de Estado. Ocorre que o STF mudou a competência depois da data dos crimes, e essa regra passa a ser lindeira à criação de um tribunal de exceção”, afirmou.
Crítica à condução do processo
Fux sustentou que mudanças de interpretação posteriores aos fatos podem afetar princípios fundamentais do direito, como o juiz natural e a segurança jurídica. “O órgão jurisdicional constitucional é absolutamente diverso do órgão ordinário. A modificação da competência após os crimes gera um desequilíbrio e ameaça a legitimidade do processo”, concluiu.
Com esse posicionamento, o ministro se coloca em divergência em relação a Alexandre de Moraes, relator do caso, e a Flávio Dino, que já votaram pela competência da Turma e pela condenação dos oito réus do núcleo central.
Fux defende validade da delação de Mauro Cid e acolhe benefícios propostos pela PGR
Pela primeira vez o ministro Luiz Fux rejeitou uma contestação das defesas dos réus ao votar pela validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em sua manifestação, Fux acolheu os termos da delação e os benefícios negociados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo o ministro, a delação de Cid trouxe elementos relevantes sobre a organização da trama golpista. “Há uma externalidade positiva, já que o réu foi chamado. Ele não foi chamado para inventar, mas para fatos novos que a própria polícia noticiava a ele”, afirmou.
Fux destacou que o ex-ajudante de ordens sempre foi ouvido acompanhado de advogado e com os devidos cuidados legais. “As advertências pontuais feitas ao delator sobre eventual descumprimento do pacto fazem parte do rol de perguntas que se pode fazer a um colaborador. Ele acabou se autoincriminando, o que reforça a autenticidade de seus relatos”, observou.
O voto de Fux surge em meio a divergências jurídicas sobre a validade do acordo. O próprio Ministério Público, que havia proposto a colaboração, chegou a se manifestar pelo arquivamento da delação. Para o ministro, contudo, mudanças de entendimento fazem parte da dinâmica do direito.
“Mudar de entendimento é manifestação de humildade judicial, é evoluir. O direito não é um museu de princípios, está em constante mutação”, afirmou.
Mauro Cid é delator no processo que apura a tentativa de golpe de Estado atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a outros aliados. Em seus depoimentos, revelou bastidores do planejamento golpista, reuniões com militares e a circulação da minuta de intervenção.
Ao acolher o acordo, Fux acompanha posição já defendida por outros ministros da Turma, como Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que também reconheceram a colaboração de Cid como válida e útil para o processo.
Luiz Fux vota pela suspensão da ação contra Ramagem
O ministro Luiz Fux se manifestou sobre o alcance da ação penal que envolve o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado de integrar o núcleo da trama golpista junto ao ex-presidente Jair Bolsonaro e outros aliados.
A Câmara dos Deputados havia aprovado a suspensão parcial do processo contra Ramagem, restringindo a tramitação apenas aos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Com isso, os crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado foram excluídos do julgamento.
Ao analisar a questão, Fux defendeu que, no caso de Ramagem, deve ser respeitada a decisão da Câmara. Assim, votou pela suspensão da ação penal em relação a esses pontos.
No entanto, ao tratar da acusação de organização criminosa, o ministro ressaltou que esse tipo penal tem caráter permanente, ou seja, a prática se prolonga no tempo enquanto a estrutura estiver ativa. Por isso, segundo ele, essas acusações também devem ser suspensas.
“Diferentemente de um crime instantâneo, como o furto, que se consuma no exato momento da subtração, o crime de organização criminosa continua a ser praticado a cada dia em que a estrutura persiste, com todos os seus membros agindo em conjunto. Estamos diante de um único crime que se prolongou no tempo”, afirmou.
Fux vê risco à legitimidade do processo por falta de tempo e excesso de provas
Um dos pontos centrais do voto do ministro Luiz Fux no julgamento da trama golpista está na tese de cerceamento de defesa diante da forma como o processo foi conduzido. Para ele, a pressa no andamento da ação e a disponibilização tardia de um acervo gigantesco de provas podem comprometer a legitimidade do julgamento.
“O contraditório e a ampla defesa são cláusulas essenciais do Estado Democrático de Direito e não podem ser relativizadas, sob pena de transformarmos um julgamento histórico em um processo questionável”, afirmou.
O tamanho do desafio probatório
Segundo Fux, a Polícia Federal apreendeu 1.200 equipamentos eletrônicos e deles extraiu 255 milhões de mensagens de áudio e vídeo, além de produzir 1.214 laudos técnicos. O volume total chega a 70 terabytes, equivalentes a bilhões de páginas.
“Salta aos olhos a quantidade de material probatório envolvido. Até eu, ao elaborar o voto, enfrentei extrema dificuldade para lidar com esse acervo. Trata-se de um verdadeiro tsunami de dados entregue de forma tardia às defesas”, disse.
A decisão que liberou o acesso às mídias só foi tomada em 30 de abril de 2025, mais de um mês após o recebimento da denúncia e a menos de 20 dias do início das audiências. Além disso, apenas cinco dias antes dos interrogatórios a PF forneceu links de acesso, sem qualquer indexação que facilitasse a pesquisa. Novos arquivos ainda foram incluídos em 15 de junho de 2025, já em plena fase de instrução.
Jurisprudência internacional e parecer técnico
Fux citou jurisprudência de cortes da Alemanha, Itália, Espanha e da Corte Europeia de Direitos Humanos, além do parecer do professor Gustavo Badaró (USP), para reforçar que a ampla defesa só se concretiza quando os advogados têm acesso integral e tempestivo às provas.
“Esse direito é um verdadeiro instrumento de proteção dos imputados e da sua própria dignidade humana”, afirmou, lembrando que a falta de tempo razoável para organizar a defesa fere princípios fundamentais do processo penal.
Comparação com o Mensalão
Para dimensionar a complexidade, Fux comparou a ação atual ao Mensalão, em que também atuou no STF. “No Mensalão, foram dois anos até o recebimento da denúncia e cinco anos até o julgamento. Aqui, tivemos apenas cinco meses entre a denúncia e o início da análise, com um acervo infinitamente maior”, observou.
A denúncia da PGR, apresentada em 26 de março de 2025, envolve 34 réus e aponta cinco crimes, entre eles organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Para Fux, a complexidade e o volume de provas exigiriam mais tempo e condições adequadas para garantir um julgamento justo.
Bolsonaro tem primeira derrota em julgamento: maioria valida delação de Mauro Cid
O Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quarta-feira (10) para validar o acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. A decisão representa a primeira derrota expressiva da defesa do ex-presidente no julgamento da trama golpista, que pode levá-lo a uma condenação de mais de 40 anos de prisão.
Em seus depoimentos, Cid revelou detalhes sobre o planejamento golpista, encontros com militares e até a circulação da chamada minuta de intervenção. Para a maioria dos ministros, a colaboração trouxe elementos relevantes para esclarecer a participação de Bolsonaro e de outros acusados. A maioria foi alcançada com o voto de Luiz Fux, sendo esta a única contestação feita pelos advogados dos réus rejeitada pelo ministro.
A anulação integral da delação era um pedido da defesa de Bolsonaro.
Ao votar pela manutenção do acordo, o ministro afirmou que a anulação seria uma medida excessiva. “Me parece desproporcional a anulação, a rescindibilidade dessa delação. Então, estou acolhendo a conclusão de sua excelência o relator (Alexandre de Moraes) e voto no sentido de aplicar a Mauro Cid os benefícios propostos pela Procuradoria-Geral da República”, declarou.
Fux ressaltou ainda que omissões ou inconsistências nos depoimentos não anulam o acordo, mas podem justificar apenas a redução dos benefícios concedidos ao colaborador.
Antes do início da sessão, o advogado Paulo Cunha Bueno, que representa Jair Bolsonaro, voltou a atacar a delação de Cid. “A delação tem que ser derrubada até para não criar um precedente de jurisprudência horroroso para o país. É uma coisa que não deveria existir. É um mentiroso”, afirmou à imprensa.
Durante o julgamento, na sessão de terça-feira (9), o relator do caso, Alexandre de Moraes, rebateu indiretamente esse argumento e disse que questionar o número de depoimentos prestados pelo delator “beira a litigância de má-fé”. O ministro destacou que Cid prestou oito depoimentos, cada um sobre assuntos distintos, e que não há contradição entre eles.
Divergências de Fux
Apesar de ter acompanhado Moraes e Flávio Dino neste ponto, Fux também votou pelo acolhimento de outras três preliminares apresentadas pelas defesas. Para o ministro, o processo deveria ser anulado integralmente desde o recebimento da denúncia e remetido para a primeira instância da Justiça:
- a incompetência do STF para julgar o caso, já que os réus não têm prerrogativa de foro;
- a necessidade de o plenário, e não a Primeira Turma, analisar o processo;
- e o alegado cerceamento de defesa em razão do volume gigantesco de provas reunidas.
Ou seja, ao mesmo tempo em que reconheceu a validade da delação, o ministro defendeu a anulação do processo por questões formais.
O cenário do julgamento
Com a maioria consolidada pela manutenção da delação de Cid, a defesa de Bolsonaro perde um de seus principais argumentos para tentar deslegitimar o processo. A colaboração do militar é vista pelos investigadores como peça-chave para demonstrar a existência de uma organização criminosa armada com o objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em 2023.
O julgamento prossegue nos próximos dias, com a expectativa de que até sexta-feira (12) a Primeira Turma conclua a análise sobre a condenação do ex-presidente e de outros sete réus do chamado núcleo crucial da trama golpista. Luiz Fux prossegue com a leitura de seu voto. Flávio Dino e Alexandre de Moraes já votaram pela condenação dos oito réus.
Fux refuta enquadramento do núcleo golpista como organização criminosa armada
O ministro Luiz Fux defendeu que o núcleo crucial formado por Jair Bolsonaro e aliados não pode ser enquadrado no crime de organização criminosa com uso de arma de fogo.
Segundo ele, a tipificação penal exige comprovação do efetivo emprego de arma durante as atividades do grupo, e não apenas o porte. “É preciso que a denúncia narre e comprove efetivo emprego de arma de fogo por algum membro do grupo durante as atividades da organização criminosa”, disse o ministro.
Fux retomou conceitos clássicos do direito penal para diferenciar organização criminosa de concurso de pessoas. Quando há apenas a união momentânea de indivíduos para cometer um delito específico, explica o ministro, o caso se enquadra no concurso de pessoas.
Já a organização criminosa pressupõe estrutura estável, divisão de tarefas e prática reiterada de crimes indeterminados.
“Sempre que presente imputação de crimes a uma pluralidade de agentes e não esteja narrada a finalidade de praticar delitos indeterminados, afasta-se a incidência do crime associativo autônomo”, afirmou.
Segundo o ministro, não há descrição na denúncia que os réus tenham empregado arma de fogo. “As alegações finais contêm uma única menção com arma de fogo, que não guarda relação alguma com os supostos membros da organização criminosa”, disse.
Para embasar seu voto, Fux relembrou o julgamento do Mensalão, em que o STF concluiu que a associação de agentes para práticas de corrupção e lavagem de dinheiro não configurava, por si só, crime de organização criminosa.
O ministro também destacou que a criminalidade organizada é uma preocupação global e citou exemplos como máfias, cartéis e esquadrões voltados a crimes graves e contínuos. “Não se pode banalizar o conceito de crime organizado que, com frequência, conta com planejamento empresarial. Não há como confundir esse planejamento com mero programa delinquencial”, acrescentou.
Fux anunciou que seguirá estabelecendo “premissas teóricas” para cada crime imputado pela Procuradoria-Geral da República antes de aplicá-los ao caso concreto. No caso da organização criminosa, sustentou que não há elementos para manter o agravante de uso de arma, embora reconheça a gravidade da atuação dos réus no episódio da tentativa de golpe.
Fux absolve Bolsonaro e sete réus da acusação de organização criminosa
Além de votar pela improcedência das acusações de organização criminosa armada, o ministro Luiz Fux também rejeitou o enquadramento do chamado núcleo crucial como organização. O núcleo é formado por Jair Bolsonaro e outros sete réus, acusados de tentativa de golpe. Para o ministro, a denúncia da PGR não apresentou elementos que comprovem a tipicidade penal desses delitos.
Fux destacou que não há qualquer descrição na denúncia de que os réus tenham utilizado armas de fogo em suas ações. Segundo o ministro, as alegações finais da PGR trazem apenas uma menção genérica a armas, sem relação com os acusados.
“As alegações finais contêm uma única menção com arma de fogo, que não guarda relação alguma com os supostos membros da organização criminosa. Houve menção a CACs nos acampamentos, mas sem indicação de que tenha sido apreendida alguma arma de fogo nesses locais e, mais importante, sem qualquer vinculação com algum dos réus”, afirmou.
Ao analisar a tipificação, Fux reiterou que o crime de organização criminosa exige estabilidade, permanência e divisão de tarefas para a prática reiterada de delitos indeterminados. Para ele, esses requisitos não aparecem na denúncia. “A denúncia não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização criminosa.”
Nesse sentido, o ministro avaliou que a acusação do Ministério Público configurou, na prática, um concurso de pessoas para a prática de crimes determinados, e não uma organização criminosa autônoma.
Dupla imputação considerada equivocada
Fux também criticou o que chamou de “dupla imputação penal” feita pela PGR, ao atribuir simultaneamente os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado. “Essa dupla incidência típica, no meu modo de ver, revelou-se equivocada”, disse. A argumentação ainda será detalhada pelo ministro.
Com o voto, todos os oito réus foram absolvidos por Fux das acusações ligadas à organização criminosa. Ainda restam em análise os outros quatro crimes atribuídos ao grupo: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
O julgamento prossegue na Primeira Turma do STF, que deve concluir até sexta-feira (12) a definição das penas ou absolvições dos réus.
Fux descarta crime de dano qualificado e admite apenas responsabilização por dano a bem tombado
O ministro Luiz Fux afastou a imputação de dano qualificado aos réus do chamado núcleo crucial e defendeu que a destruição ocorrida em 8 de janeiro de 2023 não pode ser analisada como crime autônomo, mas sim como meio para a prática de delitos mais graves, como a tentativa de golpe de Estado e a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
“O crime de dano qualificado, diante do princípio da subsidiariedade, cede lugar ao delito de maior gravidade”, afirmou o ministro. Segundo ele, a denúncia da PGR descreve a depredação das sedes dos Três Poderes como parte de um plano político maior, e não como uma finalidade em si mesma.
Apesar disso, Fux abriu espaço para responsabilização específica no caso do dano a bem tombado, previsto na Lei de Crimes Ambientais. “A lei especial prevalece sobre a lei geral”, destacou, sinalizando que os réus ainda podem ser condenados por esse delito, dado o caráter de proteção cultural e histórico dos prédios atacados.
Para Fux, Bolsonaro e demais réus não ordenaram vandalismo em 8 de janeiro
O ministro também rejeitou a tese de que Bolsonaro e seus aliados tenham tido autoria imediata nos atos de vandalismo. Para Fux, reconhecer esse vínculo significaria ignorar a responsabilidade dos próprios invasores que destruíram o patrimônio público. “Não é cabível uma responsabilidade solidária em ação penal”, disse.
Ele frisou que a liderança intelectual, sem comprovação de ordem direta ou omissão deliberada, não é suficiente para a condenação. “Embora se possa concluir que o réu exercia papel de liderança, não há indicação segura de que tenha sido ele o autor dos danos patrimoniais”, avaliou.
Os ataques de 8 de janeiro de 2023 causaram prejuízos estimados em mais de R$ 20 milhões. Segundo a PGR, eles faziam parte de um projeto iniciado em 2021 para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Para Fux, contudo, a destruição não deve ser vista como objetivo final, mas como instrumento para a concretização da tentativa de golpe.
Com essa interpretação, o ministro absolve os réus do crime de dano qualificado, mas mantém a possibilidade de punição pelo crime de dano a patrimônio tombado, em razão da proteção especial conferida às sedes dos Três Poderes. A pedido dele, a sessão foi suspensa por uma hora para que os ministros e demais presentes possam se alimentar. Na sequência, ele falará sobre a eventual culpabilidade de cada réu por dano ao patrimônio.
Fux retomou a leitura de seu voto às 14h16. O ministro analisa o crime de abolição do Estado Democrático de Direito.