A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) chega ao seu terceiro dia de audiências voltadas ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e demais membros do Núcleo 1 da ação penal do golpe de Estado. Ele e outros sete aliados são acusados de coordenar uma campanha de descredibilização do sistema eleitoral em 2022, e de depois terem tentado impedir o efeito de sua derrota eleitoral. As informações são do Congresso em Foco.
Esta é a primeira reunião voltada à leitura dos votos dos ministros, começando pelo do relator, Alexandre de Moraes. Já foram concluídas a leitura tanto das manifestações finais do procurador-geral da República, Paulo Gonet, quanto dos advogados de todos os respectivos réus. Após Moraes, votarão, em sequência, os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
O julgamento está previsto para ser longo: o calendário original previa audiências nesta terça (9), bem como na quarta e sexta-feira (12). Para dar maior celeridade, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, cancelou a sessão plenária de quinta-feira (11), disponibilizando o dia para mais uma audiência da turma presidida por Zanin.
Assista ao terceiro dia de julgamento e continue a leitura logo abaixo:
Capítulo do dia
Zanin abre a sessão
O presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, abriu a sessão às 9h11. Depois da leitura da ata da sessão anterior, a palavra é concedida ao relator, Alexandre de Moraes.
Moraes inicia voto, confirmando a validade da delação de Mauro Cid
O ministro Alexandre de Moraes iniciou nesta terça-feira (9) a leitura de seu voto no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus acusados de participação em tentativa de golpe de Estado. Relator do caso na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Moraes começou pela análise das questões preliminares levantadas pelas defesas.
Uma das principais controvérsias era a validade do acordo de delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A defesa havia questionado a legalidade do acordo, mas o ministro destacou que o próprio advogado do réu confirmou, em sustentação oral, a voluntariedade e regularidade da colaboração.
“Ressalto que a própria defesa do réu colaborador, em sustentação oral, reafirmou a total voluntariedade e regularidade da delação premiada e afastou qualquer indício de coação”, afirmou Moraes. Ele lembrou que “todos os depoimentos, sejam policiais, sejam judiciais, foram gravados em áudio e vídeo”, o que afasta suspeitas de irregularidades.
O ministro validou toda a delação premiada de Mauro Cid, rejeitando todos os questionamentos das defesas. Segundo o ministro, não há vício na colaboração do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro fechada com a Política Federal.
“A colaboração premiada não é privativa do Ministério Público. As discussões foram longas do plenário e, por ampla, a maioria, de 8 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a colaboração premiada é um meio de obtenção de prova. Como meio de obtenção de prova, a polícia também tem o direito de realizar o acordo com o investigado colaborador”, afirmou.
Outro ponto contestado pelas defesas foi a alegação de que Mauro Cid teria prestado “oito delações contraditórias” em agosto de 2023. Moraes classificou essa tese como “litigância de má-fé”, explicando que houve um único depoimento, fracionado em oito partes por estratégia da Polícia Federal para abordar fatos distintos – como joias, vacinação falsa e a própria tentativa de golpe.
“São oito depoimentos que poderiam estar em um único mega depoimento com capítulos. Não há contradições, apenas diferentes temas tratados no mesmo dia”, afirmou. Segundo ele, depoimentos posteriores também foram regulares, determinados pela PF à medida que surgiam novos fatos.
Quanto a eventuais omissões de informações por parte do colaborador, Moraes disse que não invalidam a delação, mas podem impactar a concessão de benefícios, conforme análise futura.
Relator rejeita tese de cerceamento da defesa
Outro ponto levantado pelos advogados dizia respeito ao volume de provas reunidas no processo. As defesas alegaram cerceamento por não conseguirem analisar adequadamente a quantidade de arquivos. Moraes respondeu que esse argumento também já havia sido apreciado e rejeitado pela Turma.
Durante a sessão, o ministro Luiz Fux interrompeu para afirmar que pretende retomar a discussão dessas preliminares em seu voto. Moraes, no entanto, ressaltou que “as duas preliminares já foram votadas e rejeitadas por unanimidade”.
O relator ainda mencionou a preliminar apresentada pela defesa do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que contestava a tipificação do crime de organização criminosa. Moraes enfatizou que a matéria também já foi examinada e rejeitada pela Primeira Turma em votações anteriores.
A defesa de Anderson Torres havia questionado a negativa de diligências para identificar quem publicou na internet uma minuta golpista. Moraes lembrou que o pedido foi deferido e encaminhado ao Google, mas a empresa informou não ter condições técnicas de fornecer a informação. Posteriormente, a própria defesa do ex-ministro deixou de insistir na pertinência da prova.
Da mesma forma, alegações envolvendo o suposto uso de perfis falsos em redes sociais e o vazamento de informações não foram consideradas relevantes para o mérito da ação.
“Todas as defesas tiveram pleno acesso a provas”, diz relator
Moraes afirmou que todas as defesas tiveram pleno acesso às provas reunidas pela Polícia Federal, inclusive as solicitadas pelos próprios advogados. “Todas as provas estão no processo e as defesas tiveram pleno acesso. Do recebimento à fase das alegações finais foram quatro meses, e nenhuma defesa juntou um único print, uma única gravação pertinente para o processo”, disse.
O ministro citou ainda que uma das defesas alegou ter gasto R$ 25 mil para obter cópias do material. Para ele, o argumento não demonstra cerceamento, mas sim que os advogados receberam o que pediram: “Isso mostra que tiveram total acesso ao que solicitaram e nada de importante foi juntado”. Ele ainda questionou por que a defesa não pediu acesso gratuito aos documentos.
Outro ponto questionado pelas defesas foi a participação de Moraes nos interrogatórios, especialmente a quantidade de perguntas feitas em comparação à Procuradoria-Geral da República. A defesa do general Augusto Heleno chegou a sugerir que Moraes extrapolou sua atuação.
O ministro reagiu duramente: “É esdrúxulo, não cabe a nenhum advogado censurar o magistrado dizendo o número de perguntas que ele deve fazer. Há argumentos jurídicos muito mais importantes do que ficar contando perguntas”.
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O julgamento teve início na última terça (2), com a 1ª Turma do STF analisando acusações de tentativa de golpe para reverter o resultado das eleições de 2022. O relator Alexandre de Moraes abriu a sessão afirmando que a impunidade não é aceitável e que a corte julgará com base em provas robustas. Classificou a articulação como obra de uma organização criminosa que envolveu integrantes do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência.
Moraes validou a delação de Mauro Cid, apontando que foi firmada dentro da legalidade e com acompanhamento de advogados. Segundo ele, a denúncia da PGR reúne minutas golpistas, mensagens e depoimentos que comprovam a tentativa de ruptura institucional. O ministro rejeitou pedidos de absolvição sumária e disse que as garantias processuais foram respeitadas durante toda a instrução.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustentou que punir até tentativas fracassadas é imperativo para a preservação da democracia. Afirmou que Bolsonaro e aliados mobilizaram a cúpula das Forças Armadas e usaram a máquina do Estado para corroer a confiança no sistema eleitoral. Disse ainda que a ofensiva só não teve êxito porque os comandantes do Exército e da Aeronáutica se recusaram a aderir ao plano.
Ainda no primeiro dia, a defesa de Mauro Cid afirmou que sua colaboração foi voluntária e sem coação, negando participação ativa do militar em conspirações. A defesa de Alexandre Ramagem alegou que documentos encontrados eram simples anotações pessoais, sem nexo com Bolsonaro. Já a defesa de Almir Garnier negou sua presença em reunião citada pela PGR e disse que a defesa do voto impresso não poderia ser tratada como crime.
A defesa de Anderson Torres ocupou espaço relevante ao argumentar que a acusação distorceu fatos para associá-lo a planos golpistas. O advogado disse que sua viagem aos Estados Unidos em janeiro de 2023 era férias programadas desde o ano anterior, e não fuga. Também destacou que a minuta golpista encontrada em sua casa já circulava na internet antes de 8 de janeiro, não podendo ser considerada prova direta contra ele.
O defensor acrescentou que Torres, como secretário de Segurança do DF, assinou protocolos para impedir a entrada de manifestantes na Praça dos Três Poderes e até convocou reuniões para desmobilizar acampamentos bolsonaristas. Argumentou que não houve omissão dolosa e classificou a denúncia como uma perseguição política, sem base em provas concretas.
O segundo dia, em 3 de setembro, foi aberto com a defesa de Augusto Heleno. Seu advogado, Matheus Milanez, criticou Moraes por extrapolar funções durante interrogatórios, pedindo a absolvição do general por falta de provas. Alegou que Heleno perdeu espaço no governo após a aliança de Bolsonaro com o Centrão e que documentos como sua caderneta pessoal foram manipulados pela Polícia Federal para sugerir ligações inexistentes com planos golpistas.
Na sequência, a defesa de Bolsonaro, conduzida por Celso Vilardi e Paulo Amador Cunha Bueno, afirmou que não há provas contra o ex-presidente. Questionaram a delação de Mauro Cid, que consideraram contraditória, e disseram que atos como reuniões e lives não configuram execução de crime. Argumentaram ainda que Bolsonaro determinou a transição de governo após as eleições, o que afastaria a tese de conspiração.
Vilardi rejeitou qualquer vínculo entre Bolsonaro e os ataques de 8 de janeiro, lembrando que centenas de processos sobre os atos golpistas já foram julgados sem citação ao ex-presidente. Disse que instigar pessoas indeterminadas não configura crime e que a chamada minuta do golpe não foi transmitida a Bolsonaro. Para a defesa, a acusação se apoia em recortes descontextualizados e em versões frágeis do delator.
As sustentações do segundo dia foram concluídas com as defesas de Paulo Sérgio Nogueira, que disse ter tentado dissuadir Bolsonaro de aderir a medidas de exceção, e de Braga Netto, cuja defesa pediu a anulação da delação de Mauro Cid por alegada coação.
Quem são os réus
- Jair Bolsonaro – ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem – ex-diretor da Abin e atual deputado federal;
- Almir Garnier – ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres – ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF;
- Augusto Heleno – ex-ministro do GSI;
- Paulo Sérgio Nogueira – ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto – ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, candidato a vice em 2022;
- Mauro Cid – ex-ajudante de ordens da Presidência.
Todos respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e ameaça, e deterioração de patrimônio tombado.
No caso de Alexandre Ramagem, a Constituição prevê a suspensão de parte das acusações por ele exercer mandato parlamentar. Assim, ele responde apenas por três crimes: golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, é o único réu do núcleo central da trama golpista presente no Supremo neste primeiro dia de julgamento.