O Congresso Nacional perdeu o prazo para aprovar e sancionar o Novo Código Eleitoral, que deveria ter sido concluído até 4 de outubro para valer já nas próximas eleições. O texto, relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ficou parado por falta de acordo político e não chegou ao plenário. Com isso, o pleito de 2026 seguirá regido pelas regras atuais, incluindo as recentes alterações da Lei da Ficha Limpa. Pela legislação, a mudança nas regras precisa ser aprovada um ano antes da eleição.
O projeto, com cerca de 900 artigos, foi aprovado na CCJ em 20 de agosto, mas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), não o pautou para votação. A tramitação emperrou após divergências entre governistas, oposição e bancada feminina sobre temas como o voto impresso, a participação de mulheres nas eleições e o prazo de inelegibilidade da Ficha Limpa.
Segundo interlocutores do Senado, líderes partidários chegaram a considerar a derrubada do voto impresso em plenário, mas não houve tempo hábil para costurar o acordo antes do prazo eleitoral.
Veja o relatório aprovado pela CCJ.
Voto impresso reacende disputa política
O ponto mais controverso do texto foi a aprovação de uma emenda do senador Esperidião Amin (PP-SC), que obriga a urna eletrônica a imprimir um comprovante do voto, depositado automaticamente em compartimento lacrado.
A medida foi celebrada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que desde 2018 questionam, sem provas, a segurança das urnas eletrônicas.
“É preciso pacificar o país. Se a população confia mais vendo o voto no papel, temos que dar essa resposta”, defendeu o snador Carlos Portinho (PL-RJ).
O relator Marcelo Castro e senadores governistas reagiram, lembrando que não há registro de fraude comprovada em quase 30 anos de urnas eletrônicas. O STF já considerou o voto impresso inconstitucional por violar o sigilo do voto.
“Na eleição de 2024, foram mais de 400 mil candidatos e não há uma única ação judicial alegando fraude. O sistema é seguro”, rebateu Castro.
Ficha Limpa e quarentena reduzida
Outra mudança polêmica do projeto é a alteração na Lei da Ficha Limpa, que redefine o marco da inelegibilidade. O prazo de oito anos passaria a contar a partir da condenação em órgão colegiado, e não mais após o cumprimento da pena, o que, na prática, encurta o tempo de inelegibilidade.
Críticos afirmam que a mudança enfraquece um dos principais instrumentos de combate à corrupção aprovados por iniciativa popular em 2010.
O texto também reduz a quarentena eleitoral para juízes, promotores, policiais e militares que desejem disputar eleições: o afastamento obrigatório cairia de dois para um ano.
Participação feminina dividiu o Senado
A bancada feminina conseguiu incluir, por destaque, a obrigatoriedade de 30% das candidaturas proporcionais para mulheres e a reserva de 20% das cadeiras legislativas para o público feminino pelos próximos 20 anos.
A proposta foi defendida pela senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), mas gerou divergências internas.
“Congelar o percentual por duas décadas é um erro. A participação feminina deve aumentar, não ficar limitada”, criticou a senadora Zenaide Maia (PSD-RN).
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já se manifestou contra a reserva de vagas como mecanismo de inclusão, o que também contribuiu para travar o debate.
Fake news e financiamento de campanhas
O novo código reduz as penas para divulgação de fake news em campanhas eleitorais: de reclusão de 1 a 4 anos para detenção de 2 meses a 1 ano, além de multa.
O relator afirmou que buscou “evitar criminalizar críticas” e afastar riscos de censura. Plataformas digitais seriam obrigadas a publicar suas regras de moderação até junho do ano eleitoral.
Outra mudança permite que candidatos usem recursos próprios até 100% do teto de gastos, e não apenas 10%, como atualmente.
Críticas e alertas de retrocesso
Entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) divulgaram nota criticando o projeto.
Entre os pontos mais sensíveis, as entidades destacam:
Esvaziamento da Ficha Limpa, ao permitir candidaturas de condenados ainda cumprindo pena;
Maior dificuldade para punir compra de votos, com exigência de prova de nexo causal entre crime e resultado eleitoral;
Risco de enfraquecimento das cotas de gênero, ao permitir uso flexível dos recursos destinados às mulheres.
“Há um retrocesso democrático evidente. O texto reduz mecanismos de controle e transparência do processo eleitoral”, diz o documento.
Para que o texto possa valer para as eleições de 2028, o texto precisa ser votado pelo Plenário do Senado e, posteriormente, pela Câmara.